
O uso institucional da expressão “Polícia Municipal” rompe com a padronização terminológica do sistema nacional de segurança pública e pode induzir à falsa percepção de criação de um novo órgão policial.
Assim foi uma das considerações do desembargador relator Vilson Bertelli ao negar reexame de uma matéria já julgada no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) sobre a mudança de nome da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de Campo Grande para “Polícia Municipal”.
O pedido de reexame foi feito pela Câmara de Vereadores de Campo Grande, com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), mas não prosperou. O TJMS manteve a decisão que considerou inconstitucional a alteração do nome da Guarda Civil Metropolitana para “Polícia Municipal”.
A nomenclatura foi atribuída pela Emenda à Lei Orgânica do Município nº 37, aprovada em outubro de 2018. Essa mudança foi questionada por associações militares, o que levou o tribunal a declarar a inconstitucionalidade da medida.
Recentemente, o STF firmou entendimento reconhecendo como constitucional o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, incluindo policiamento ostensivo e comunitário, desde que respeitadas as competências das demais forças de segurança e excluídas as funções de polícia judiciária. A decisão também estabelece que essas atividades devem estar sujeitas ao controle externo do Ministério Público.
Com base nesse posicionamento, a Câmara de Vereadores de Campo Grande solicitou o reexame da decisão anterior do TJMS, que impedia a mudança de nome. Contudo, os magistrados do Órgão Especial do TJMS negaram o pedido, mantendo a inconstitucionalidade da norma municipal.
O relator Vilson Bertelli destacou que o Tema 656 do STF, ao reconhecer a constitucionalidade do exercício de funções de segurança urbana pelas Guardas Municipais, incide sobre a análise de vício material, mas não afasta o vício formal da norma.
Ou seja, o entendimento do STF trata da conformidade material da atuação das guardas com a Constituição Federal, mas não interfere na legitimidade da iniciativa legislativa nem elimina os vícios do processo legislativo. Por isso, mesmo diante da repercussão geral reconhecida, o vício formal da emenda à Lei Orgânica municipal permanece, gerando sua inconstitucionalidade.
Além disso, mesmo que não houvesse vício formal, o entendimento do STF impõe três limites para a atuação das Guardas Municipais: respeito às atribuições dos demais órgãos de segurança previstas na Constituição, vedação da atuação como polícia judiciária e observância das normas gerais federais, como a Lei nº 13.022/2014.
A emenda municipal impugnada denomina os integrantes da guarda como “Polícia Municipal”, o que está em desacordo com a terminologia adotada pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, que usam exclusivamente o termo “Guarda Municipal”.
Segundo o relator, o uso institucional do termo “Polícia Municipal” rompe com a padronização terminológica do sistema nacional de segurança pública e pode criar a falsa impressão da criação de um novo órgão policial.
Além disso, o § 2º da emenda atribui à guarda a função de “repressão da criminalidade”, ultrapassando o escopo definido pelo STF. Embora o policiamento ostensivo e comunitário seja autorizado, a competência autônoma para repressão penal é exclusiva das polícias civil e militar.
Por fim, o § 4º da emenda autoriza expressamente a realização de autuações, detenções e apreensões. Embora as guardas possam atuar em situações de flagrante delito e exercer o poder de polícia administrativa dentro das competências municipais, os termos usados são amplos e imprecisos. Essa redação pode levar a interpretações que atribuem às guardas funções típicas das polícias penais ou militares, contrariando os limites constitucionais.
Diante disso, o desembargador Vilson Bertelli concluiu: “Não exerço o juízo de retratação previsto no art. 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil e, por conseguinte, mantenho, em sua integralidade, o acórdão anteriormente proferido, que julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade.”
A decisão do TJMS vai ao encontro da posição do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS). Em manifestação enviada ao tribunal, o procurador-geral de Justiça, Romão Avila Milhan Junior, defendeu que a Guarda Civil Metropolitana de Campo Grande não pode ser chamada de “Polícia Municipal”.
Segundo Milhan Junior, “as disposições da Emenda nº 37/18 não estão eivadas de inconstitucionalidade, podendo ser interpretadas conforme o entendimento do STF, segundo o qual as funções de policiamento preventivo e administrativo atribuídas à Guarda Municipal foram consideradas constitucionais, desde que não invadam competências exclusivas das forças de segurança estaduais e federais.”
Porém, o procurador ressalta que o uso do termo “Polícia Municipal” não foi abordado no julgamento do Tema 656, portanto, “permanece o vício de inconstitucionalidade na nomenclatura”. Ele enfatiza: “No tocante à nomenclatura utilizada pela emenda invectivada, qual seja, ‘Polícia Municipal’, o declarado vício de inconstitucionalidade parece persistir, tendo em vista que não foi objeto do precedente do STF na definição do Tema 656 da repercussão geral.”
Assim, o TJMS mantém a proibição da Guarda Civil Metropolitana de Campo Grande usar a nomenclatura “Polícia Municipal”, confirmando a inconstitucionalidade da legislação municipal.
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