Indenização por violência obstétrica reconhecida após sete anos de batalha judicial em MS

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Defensoria Pública de MS (Foto: DPGE-MS)
Defensoria Pública de MS (Foto: DPGE-MS)

A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul garantiu indenização a mulher vítima de violência obstétrica. Em alusão à Campanha Agosto Lilás, que conscientiza pelo fim de todas as violências contra a mulher, a instituição apresenta o resultado de uma atuação com duração de sete anos, que confirma que a ausência de erro médico não descarta violência obstétrica. O referido precedente abre portas para a formação de jurisprudência no TJMS sobre o assunto e servirá para reforçar teses de defesa em casos semelhantes.

A ação original de indenização por erro médico iniciou-se em 2016. Atuaram desde, então, a defensora pública Thaísa Defante, atualmente coordenadora do Núcleo dos Direitos Humanos, defensor público Gustavo Pinheiro, atualmente adiado ao gabinete, defensor público Cássio Barbi, defensor público Vagner Flausino, defensora pública Joanara Hanny, a defensora pública de Segunda Instância, Glória de Fátima Fernandes Galbiati, o defensor público Arthur Cafure, e defensor público Marcos Braga.

O artigo 186 do Código Civil determina que aquele que, por ação ou omissão voluntária violar direito e causar dano ao outro, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Além disso, o conceito de violência obstétrica, embora próximo, não se confunde com erro médico.

Esse foi o entendimento do juízo da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul para condenar um médico e a Santa Casa de Campo Grande a indenizar uma assistida da Defensoria Pública de MS em R$ 25 mil e em R$ 15 mil, respectivamente.

A decisão foi provocada por recurso de apelação da Defensoria contra decisão de primeiro grau que negou a condenação do médico e do hospital ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e estéticos provocados por erro médico.

O casal alega que, por conta de gravidez de alto risco, o médico que realizou o pré-natal indicou que o parto deveria ser por meio de uma cirurgia cesariana. No entanto, na 36ª semana de gestação, a assistida apresentou sangramento e entrou em contato com o médico, que determinou que ela fosse para a Santa Casa de Campo Grande.

Ao chegar no hospital, ela foi atendida por outra médica que ministrou medicamentos para que o parto não ocorresse naquele momento. Já que o médico que realizou o pré-natal e insistiu pelo parto normal não compareceu ao local.

Além da dor sofrida e diversos toques, a assistida teve de ouvir da equipe médica as seguintes frases: “me deixaram com esse bolo assando!!!. Quem é o responsável pela paciente??!”.

A assistida foi encaminhada pelo plantonista à sala de cirurgia e foi submetida à “manobra de Kristeller” — um procedimento banido pelo Sistema Único de Saúde, momento em que razão da exaustão a vítima veio a desmaiar”.

O bebê teve parada cardiorrespiratória e teve que ser reanimado. O recém-nascido permaneceu 33 dias na UTI Neonatal e ficou com sequelas por conta de paralisia cerebral.

Decisão – Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora Jaceguara Dantas da Silva, afirmou que o laudo pericial apontou que a gravidade da lesão causada na criança em decorrência dos problemas no parto, era mínima.

No entanto, acatou o fato apresentado em laudo, de que doenças pré-existentes na genitora podem ter contribuído para a deficiência apresentada pela criança. Diante desse argumento, ela afastou o pedido de indenização por erro médico.

Quanto à alegação de violência obstétrica, a relatora teve entendimento diverso.

“Isso porque a violência obstétrica está relacionada a procedimentos e condutas adotadas pela equipe médica durante o período gestacional da mulher que impliquem violação à integridade física e psicológica da parturiente, atingindo inclusive aspectos não aferidos diretamente em sua fisionomia”, argumentou.

A desembargadora explicou que esse tipo de violência não se equipara necessariamente a erro médico, na medida em que abrange condutas de apropriação do corpo das mulheres e desrespeito às suas escolhas e decisões.

“A violência obstétrica desconsidera o protagonismo da mulher durante a gestação, assim como seus direitos e sua capacidade de autodeterminação. Institucionalizam-se, sob o manto da tecnicidade, condutas antiéticas — como a não permissão de acompanhante em razões de questões técnicas — em detrimento do interesse daquela que necessita se sentir segura, confortável e ciente de todo o processo em curso”, pontuou.

Na decisão explicou que o fato de não termos uma legislação específica sobre violência obstétrica contribui para que o assunto encontre resistência, inclusive no âmbito da jurisprudência, mas lembrou que a proteção integral à saúde da mulher e seus direitos reprodutivos encontram respaldo constitucional.

Por fim, a julgadora também lembrou que, conforme os autos, o médico que realizou todo o pré-natal agiu de forma omissiva na medida em que, embora tenha se comprometido, não fez o parto.

Também pontuou que o médico plantonista, por sua vez, admitiu a realização da manobra de Klisteller, que há tempo não é mais recomendada pelo poder público na área da saúde e provocou dores desproporcionais à paciente. Diante disso, ela entendeu existir dano moral e votou pela condenação do médico e do hospital.

Por fim, foram condenados, o médico que acompanhou o pré-Natal da paciente e o hospital que é responsável subsidiariamente pelos atos da médica e do plantonista que acompanharam o caso.

Defensor Arthur e defensora Joanara, atuantes em Sidrolândia. (Foto: Danielle Valentim)
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